sexta-feira, 15 de agosto de 2014

O Conceito de Wilderness Medicine

O Conceito de Wilderness Medicine

O termo, traduzido ao pé da letra, seria algo como Medicina da Vida Selvagem. Os termos em português que tem se popularizado são Medicina de Aventura e Medicina de Áreas Remotas. O segundo insere o conceito que define a aplicabilidade destas práticas, que tem intima relação com o “Tempo”, mais do que a distância. Paradoxalmente, podemos estar em um grande centro urbano, porém numa Área Remota. Explico.

O que fazer com um dupla de escalada que fratura uma perna, numa tarde fria de inverno na serra catarinense? Como ajudar uma pessoa que escorrega e bate com a cabeça numa pedra, na praia do aventureiro, Ilha Grande? Como salvar um excursionista britânico que reage com anafilaxia à uma picada de abelha, no meio da Trilha do Ouro, Serra da Bocaina? É possível contribuir de alguma forma com um taxista com sintomas de infarto, no meio de um engarrafamento de 50km na linha vermelha, Rio de Janeiro, quando o resgate aéreo está indisponível pelo mau tempo?









Para a aplicação destas práticas de saúde, relaciona-se a carência de recursos médicos com o tempo para se alcançar um serviço médico capaz de estabilizar a emergência médica em questão. Algumas entidades internacionais que lançam os protocolos, definem como uma demora de duas horas ou mais, para se alcançar o centro médico. Assim, notamos como é plausível encontrar tal situação, mesmo em um centro urbano brasileiro.
Os protocolos de Medicina de Áreas Remotas tentam, ainda, dosar o uso racional de resgates e evacuações emergenciais, equacionando os recursos disponíveis, as situações e os riscos e benefícios envolvidos numa operação de resgate. Logo de início, nota-se que as tomadas de decisão não são fáceis.
Os grupos mais beneficiados com estes conhecimentos serão as pessoas que se expõem ao ambiente natural, afastados de centros urbanos e serviços médicos. Os conhecimentos auxiliam a manter estável uma eventual vítima de trauma ou emergência clínica, até que se tenha o resgate. Velejadores, esquiadores, escaladores, excursionistas, militares em operações, bombeiros e resgatistas profissionais, viajantes, atletas diversos... Qualquer pessoa que viage para aquele paraíso ecológico ou ilha tropical retirada pode se beneficiar.
Em países com o mercado de turismo ecológico já desenvolvido, o conhecimento é bem disseminado e as vezes exigido, contando até, com equipes profissionais de resgate wilderness e conteúdo incluído no currículo de guias profissionais. Dado o grande potencial ainda inexplorado do turismo ecológico brasileiro, que ainda engatinha se comparado aos EUA, percebemos que o assunto é pertinente, também, por aqui.


Algumas iniciativas locais começam a semear o conhecimento Wilderness no Brasil. ABMAR, WMA-Brasil e outros já oferecem cursos nível básico, para leigos, até simpósios e cursos médicos. Desfrute sua curtição “remota” com mais segurança. Informe-se, aprenda, estimule. Não há regulamentação que exija tal expertise dos profissionais do ramo, mas você estará bem mais seguro com quem treina para lidar com situações extremas.

Bruno Parente, MD

quinta-feira, 7 de agosto de 2014

Barotrauma de orelha média.


                                                      Barotrauma de Orelha Média

O barotrauma de orelha média é a complicação mais comum no mergulho. Estima-se que 80% dos mergulhadores venham sofrer este barotrauma, em intensidades variáveis, em algum momento da sua vida de mergulhador.
O barotrauma pode ser leve, quando só há uma dor de ouvido passageira e mínimas alterações ao exame (geralmente só “vermelhidão” no tímpano), moderado, ou grave, podendo haver ruptura do tímpano, com prejuízo da audição.
Para  a compreensão do mecanismo das alterações clínicas do mergulho, incluindo o barotrauma de orelha média (e de todos os demais, como de seios da face, de máscara...), o entendimento dos conceitos é essencial.
De acordo com a Lei de Boyle, o volume de ar varia de forma inversamente proporcional à pressão.
Lei de Boyle - Se a pressão aumenta, o volume diminui. Se a pressão diminui, o volume aumenta.
Considerando que a orelha média é uma cavidade aérea,  se o mergulhador aprofunda, a pressão sobre suas cavidades aéreas aumenta e, consequentemente, o volume de ar diminui, puxando o tímpano para dentro, o que é doloroso.
Tímpano sendo puxado para dentro, pela redução do volume de ar na cavidade da orelha média.


Será necessária uma compensação da pressão para que o volume se mantenha em equilíbrio: mais ar deverá entrar na cavidade.

Compensação: joga ar na cavidade da orelha média, restabelecendo o equilíbrio.
O tímpano volta à sua posição natural.

Esta compensação é possível devido à ligação que existe entre a parte posterior do nariz (rinofaringe) e a orelha média: a tuba auditiva. A tuba será a responsável pela entrada e saída de ar da orelha média, mantendo o equilíbrio da cavidade diante as variações de pressão durante o mergulho. A entrada de ar para compensação na descida do mergulho exige movimentos voluntários, como as manobras de Frenzel e Valsalva.
Anatomia. Tuba auditiva conectando o nariz à orelha média.
Se essa tuba não funcionar bem, não permitirá a compensação necessária pela variação de pressão atmosférica durante o  mergulho = barotrauma.

Quando o mergulhador sobe, ocorre redução da pressão ambiente, então o volume aéreo nas cavidades aumenta. Neste momento há saída de ar da orelha média pela tuba auditiva, para que o tímpano não seja empurrado para fora pelo “excesso” temporário de ar.
Subida do mergulho:
Observe o tímpano sendo "empurrado" para fora pela expansão do volume de ar.
Diferente da descida, na subida a compensação é espontânea, a não ser que algo incomum aconteça – veja o post sobre barotrauma de subida -  A tuba se abre naturalmente, o mergulhador não precisa fazer manobras de compensação. Manobras como deglutir, lateralizar a mandíbula, podem facilitar a saída do ar. Por outro lado, o mergulhador não deve fazer manobra de Valsalva, pois isso jogaria ar na cavidade da orelha média, que já está em excesso, aumentando a diferença entre as pressões, expondo o mergulhador ao Barotrauma de Subida.

Principais causas de barotrauma de orelha média:

  • Obstrução nasal (pode ser algo temporário, como um resfriado; pode ter origem alérgica; pode ser mecânica, como um desvio de septo grande, ou a presença de adenoides ou pólipos nasais...).
  • Erro de técnica de compensação (ansiedade, inexperiência dificultam a adequada realização de manobras de compensação).
  • Incompetência da tuba auditiva (que pode ser transitória - como em casos de inflamação aguda- ou  permanente).
  • Porximidade da superfície. Como a variação da pressão é mais notável nos primeiros metros de mergulho, geralmente o barotrauma ocorre próximo da superfície.
  • Velocidade do mergulho. Se o mergulhador aprofunda com muita velocidade, reduz a capacidade de adaptação das cavidades aéreas ao aumento da pressão. Isso aumenta a chance de barotraumas.

Como evitar o barotrauma de orelha média:

  • Não mergulhe com o nariz congestionado. Se o mergulho é inevitável, procure uma avaliação com o otorrino ou médico do mergulho para uma prescrição que tente minimizar os riscos de barotrauma.
  • Corrija as obstruções mecânicas importantes, como um desvios grandes de septo, pólipos nasal... 
  • Evite fumar e não se exponha a substâncias tóxicas irritantes à mucosa nasal.
  • Não faça uso de medicamentos vasoconstrictores tópicos (aqueles, como os famosos Neosoro, Afrin...) sem prescrição médica. – veja o post sobre barotrauma de subida - 
  • Tenha o hábito de higienizar diariamente as narinas com solução fisiológica (tipo soro fisiológico). Isso ajuda a na hidratação local, na remoção de partículas alergênicas e irritativas (como ácaros, poeira, fumaças tóxicas), faz uma limpeza mecânica, estimula o batimento dos cílios nasais para a remoção de impurezas e dificulta o desenvolvimento de vírus e bactérias.
  • Não realize manobra de Valsalva na subida.
  • Pratique as manobras de compensação na superfície e realize-as na descida antes mesmo de sentir a "pressão" no ouvido.